segunda-feira, 28 de março de 2016

Familiares de vítimas da violência no ES falam sobre recomeço e luto


Ruhani MaiaDe A Gazeta
Eles pareciam ter uma longa vida pela frente e, talvez, não imaginavam que o ano de 2015 seria tão marcante nessa trajetória. Mas, com histórias e caminhos diferentes, tiveram um destino em comum: perderam a vida de forma violenta.

Ana ClaraAlecsandroJhony e Saulo são parte das 1.391 pessoas que foram mortas de janeiro a dezembro de 2015. Ao partirem, deixaram aqui famílias que, até hoje, dia após dia, vivem com a ausência deles.
Vítimas de violência no Espírito Santo (Foto: Arte/ Jornal Notícia Agora)Vítimas de violência no Espírito Santo (Foto: Arte/ Jornal Notícia Agora)
Para elas, o ano de 2015 nunca mais será esquecido. Mas com a ajuda de orações, de familiares e do trabalho têm aprendido a lidar com a dor e com a saudade.

Após a morte de Ana Clara Cabral, a mãe dela, a empresária Ana Kátia Rodrigues Filho, 46, anos contou com a ajuda do trabalho para conviver com a perda. “Me dediquei ao trabalho.
Foram quatro meses sem tempo de fazer nada. Hoje tenho saudades, lembro, choro. Minha filha era muito doce, era muito feliz”, comenta.

Assim como Ana Kátia, todos que enfrentam a morte de um ente passam por um processo de luto. A aceitação da partida é o último estágio desse processo.

Antes dela, a pessoa a nega, se revolta e passa por um momento de reflexão sobre a vida. Mesmo assim, não existe uma superação absoluta. A morte do ente sempre vai ficar marcada.

“Cada um lida de uma forma, mas existe um padrão geral. Na aceitação, a pessoa aceita porque assim aconteceu, mas ainda sente dor”, explicou o psicólogo Antônio Elmo, mestre em Psicologia Clínica.

O tempo, as orações e a ajuda de um profissional, como um psicoterapeuta, podem ajudar a pessoa a encarar o luto.

“São instrumentos para a pessoa lidar com a perda. Mas é como se fosse a quebra de uma jarra de cristal. Você gosta da jarra, cola, mas a marca da quebra fica para sempre. Não tem reparação total”, conclui Antônio Elmo.

"Eu tenho mil e um motivos para lembrar e seguir"
Para as famílias dos estudantes Jhony Lima Fernandes, 19 anos, e Saulo Ferreira Tavares, 24, o dia 4 de fevereiro de 2015 os uniu de uma forma trágica. Foi nesse dia que elas viveram o momento mais triste do ano: o assassinato dos dois jovens, em um terminal de ônibus em Vila Velha.

Jhony e Saulo estavam em um ônibus da linha 508 quando foram mortos a facadas por José Carlos Rodrigues, 46. Testemunhas relataram que José estava descontrolado e sacou a faca sem motivo, com o ônibus em movimento.

“Naquele dia ele acordou e foi trabalhar. Ele trabalhava como vendedor em uma loja de Vila Velha. Então um amigo dele chegou, me abraçou e perguntou se eu estava sabendo do Jhony. Fiquei sem chão”, conta a tia do Jhony, a dona de casa Lucimar Rodrigues Alves, de 46 anos.
"Até hoje eu e meus filhos lembramos como ele era, falava" - Lucimar Rodrigues Alves, tia de Jhony  (Foto: Bernardo Coutinho/A Gazeta)"Até hoje eu e meus filhos lembramos como ele era, falava" - Lucimar Rodrigues Alves, tia de Jhony (Foto: Bernardo Coutinho/A Gazeta)
Foi na casa de Lucimar, um lugar simples em Vista da Serra I, na Serra, que Jhony viveu os últimos meses. E até hoje a ausência dele é marcante na cama onde dormia, que fica na sala da casa.

Para lidar com a perda do sobrinho, Lucimar teve que recorrer a remédios e orações. “Muita coisa ainda me lembra ele. Não vai passar fácil. Ficou muita coisa boa. O caráter dele, a pessoa que era”, relata.

Em Jardim Camburi, Vitória, a família de Saulo também conta a com a ajuda de orações para conviver com a ausência dele, desde o primeiro minuto em que souberam da morte do jovem.

“A primeira coisa em que pensei foi que Deus estava no controle”, relata a mãe de Saulo, a fisioterapeuta Sueli Alves Ferreira Tavares, 48. A união da família também foi fundamental.
Sueli Alves Ferreira, mãe de Saulo (Foto: Bernardo Coutinho/A Gazeta)Sueli Alves Ferreira, mãe de Saulo (Foto: Bernardo Coutinho/A Gazeta)
As lágrimas, segundo Sueli, ainda são diárias. Mas hoje ela compreende a morte e reconhece que o filho cumpriu a missão que tinha na terra. “Tenho mil e um motivos para lembrar do meu filho e seguir. Ele era especial. Só tenho a agradecer, porque hoje eu sei com quem ele está”, orgulha-se.

Nova rotina em família e união para esquecer a dor
“A morte do meu filho desmoronou a nossa família. Não esquecemos ainda. Mas a gente tem que superar isso. Nossa família é muito unida, isso nos ajuda muito.”

Foi com a ajuda de familiares que o aposentado Adezir José Ramos da Silva, de 67 anos, conseguiu lidar com a morte do filho, o representante comercial Alecsandro José da Silva, 37 anos, que foi assassinado durante um assalto, em julho do ano passado. O crime aconteceu no Bairro de Fátima, na Serra.
  Denize, Tarsila e Adezir José: Nossa família é muito unida, isso nos ajuda muito (Foto: Bernardo Coutinho/A Gazeta)Denize, Tarsila e Adezir José: Nossa família é muito unida, isso nos ajuda muito (Foto: Bernardo Coutinho/A Gazeta)
Na casa do aposentado, um porta-retrato com a foto de Alecsandro, que fica em cima da mesa da sala, e a nítida lembrança de como era a rotina da família quando ele era vivo revelam a falta que o representante comercial faz na vida deles.

"Depois que ele morreu, nossa rotina mudou. Ele vinha na nossa casa todos os dias. Sinto muita falta dele”, desabafa a mãe de Alecsandro, a dona de casa Tarcila Alves Ramos da Silva, 71.

Alecsandro era casado com a comerciante Denize Maciel de Lacerda, 35, com quem tinha duas filhas: uma de 3 anos e outra de 5. Elas viram o pai ser assassinado. “Tem sido difícil. Ficamos juntos por seis anos. Ele me ajudava muito. Agora tudo sou eu”, diz.

Orações para superar o ódio
Desde quando Ana Clara Cabral, 19 anos, foi assassinada, na madrugada do dia 5 de fevereiro de 2015, Ana Kátia chora em algumas datas que costumava celebrar com a filha.
“Na Páscoa, eu sempre comprava um ovo de chocolate para ela e o irmão. Ela pedia, e eu dava o que os dois queriam”, lembra.
Ana Kátia ficou quatro meses sem conseguir entrar no quarto da filha (Foto: Bernardo Coutinho/A Gazeta)Ana Kátia ficou quatro meses sem conseguir entrar no quarto da filha (Foto: Bernardo Coutinho/A Gazeta)
As lembranças são tantas que Ana Kátia demorou cerca de quatro meses para voltar ao apartamento onde Ana Clara morava, e três meses para entrar no shopping onde a filha trabalhava. Para não pensar nela, a empresária, que costuma morar em outras cidades por causa do trabalho, dedicou esse período a ele.

“Eu não tive coragem de voltar logo para o apartamento. E tem uns quatro meses que consegui entrar no shopping. Quando cheguei na loja de calçados em que ela trabalhava, chorei. Fico lembrando de tudo. Passa um filme na cabeça", diz emocionada.

Entre lágrimas e sorrisos, Ana Kátia recorda da beleza, alegria e vontade de viver de Ana Clara. "A Ana Clara era muito doce. Não era triste, era muito feliz. Ela tinha sede de viver, parece até que sabia que ia morrer cedo. Ela também gostava de se arrumar, de usar as minhas coisas”, comenta.

Ela ressalta que já sentiu ódio do ex-soldado da Polícia Militar Itamar Rocha Lourenço, ex-namorado de Ana Clara, que foi preso por ter matado a jovem. “Tinha ódio, mas hoje tenho pena. Rezo muito”, acrescenta.

O acusado foi expulso da Polícia Militar e aguarda julgamento.

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