quinta-feira, 18 de maio de 2017

Ministério Público investiga 29 médicos do Hospital Geral de Linhares

O Ministério Público do Espírito Santo (MP-ES) investiga 29 médicos do Hospital Geral de Linhares (HGL), no Norte do Espírito Santo, pela suspeita de não cumprimento da carga horária. Imagens mostram que eles chegam ao local, batem o ponto e vão embora antes do prazo previsto.
Durante dez dias, policiais ficaram disfarçados em frente e dentro do hospital para monitorar a chegada, a saída e o cartão de ponto dos médicos.
No dia 13 de junho de 2016, por exemplo, o médico Assuério Moreira chega ao hospital, bate o ponto às 7h46 e, menos de 20 minutos depois, a imagem mostra o médico saindo do hospital, entrando no carro e indo embora. No dia seguinte, às 8h21, o médico volta ao hospital, bate o ponto e vai embora de novo.
Outras imagens da polícia mostram o médico José Cardia chegando ao hospital no dia 15 de junho de 2016. O médico chegou às 14h45 e saiu às 14h51, só voltando no dia seguinte. Ele entrou, bateu o ponto e saiu de novo.
Ele nega que descumpria a carga horária, porque disse que só deveria ir ao hospital se fosse chamado. "Eu sou médico de sobreaviso. Sou médico que fica à disposição do hospital durante toda a semana, para, em casos de chamado de urgência da minha especialidade, eu estar presente. Então, tem dias que eu vou duas ou três vezes, tem dias que eu não vou", declarou.
Outro médico que, segundo o Ministério Público, não cumpriu a carga horária é Smail Pinheiro Cavalho. Ele deveria fazer um plantão de 48 horas. Às 7h59, ele bateu o ponto e, às 17h45, de acordo com a investigação, ele entrou num carro e foi embora. O médico saiu da cidade, seguiu pela BR-101, local onde foi registrada uma foto do carro dele, a mais de 20 km do hospital.
A investigação também identificou que Telmo Henrique Fiorotti não cumpre a carga horária. No dia 13 de junho, a polícia registrou o médico chegando ao hospital às 7h20. Às 8h04, ele bateu o ponto e, às 8h05, saiu do local. No dia seguinte, ele chegou às 8h51, bateu o ponto e, às 10h22, já estava de saída.
Resolução
Há uma resolução do Conselho Federal de Medicina que autoriza o sistema de sobreaviso. Mas, segundo o promotor, ela só valeria se houvesse uma lei municipal que permitisse, mas o município não tem essa lei. E a direção do hospital, segundo o MP-ES, também não autorizava o médico a ficar de sobreaviso, tanto que instalou o controle eletrônico de ponto.
“Há um ato ilegal, porque o sistema dele não era de sobreaviso, estava previsto que era de 24 horas. De qualquer forma, quando ele era chamado, às vezes, aparecia e, às vezes, não, demorava horas. Então, não era um cumprimento contínuo. De qualquer forma, está errado”, falou o promotor de Justiça responsável pelo caso Marcelo Paiva Pedra.
Depois de analisar as imagens gravadas no HGL, o Ministério Público também ouviu o depoimento de pessoas que trabalham ou já trabalharam no hospital.
Uma testemunha, que não quis ser identificada, confirmou que os médicos não cumpriam carga horária. “Não cumpriam carga horária. Iam batiam o ponto e, simplesmente, saiam. Isso acontecia diariamente e acho que sempre aconteceu”, disse.
O promotor destacou que não adianta contratar mais profissionais. “Por mais que o município contrate médicos, nunca é suficiente para atender aquela demanda. É como se você tivesse colocando óleo num carro com vazamento”, falou o promotor.
A população diz que a falta de médicos prejudica a vida de todos. “Esses dias mesmo, eu vi um cara morrendo. Ele estava passando mal e não foi atendido”, destacou o mecânico Paulo Trindade.
Caso
Há três anos, Bárbara Coutinho, de 10 anos, morreu no local. Ela foi internada com problemas no coração e, quando passou mal, dentro do hospital, a família disse que os médicos não estavam lá. O caso foi parar na polícia, que indiciou três médicos, que também foram denunciados pelo MP-ES. A denúncia afirma que o médico sabia da gravidade do caso, contudo, decidiu abandonar o plantão e a vítima.
O processo corre na Justiça do Espírito Santo. A investigação, que começou em 2016, flagrou 29 saindo do hospital na hora do trabalho. O Ministério Público está analisando cada caso, mas decidiu processar por improbidade administrativa os quatro médicos mencionados.
O MP-ES também está pedindo que os médicos devolvam parte das gratificações que recebiam. No entendimento do órgão, eles ganhavam a mais do que, realmente, trabalhavam no HGL. Somando todos os valores, fica em torno de R$ 470 mil.
Outro lado
O médico José Cardía foi o único que aceitou dar entrevista. Ele alegou que trabalhava no regime de sobreaviso e tinha autorização para isso.
Telmo Henrique Fiorotti contou que saiu do HGL em agosto de 2016 e disse que fazia o serviço de endoscopia. Às segundas e terças pela manhã, atendia todos os pacientes internados. No restante do dia, ficava de sobreaviso.
Assuério Moreira informou que tudo o que faz é legal. Ele bate o ponto no HGL e cumpre a carga horária em outro hospital público.
A advogada de Ismail Pinheiro Ramalho informou que os médicos sempre tiveram autorização da Administração Pública para completar o plantão noturno no sistema de sobreaviso, e o médico não fez nada de ilegal.
A Prefeitura de Linhares reforçou que na cidade não existe lei municipal autorizando o sistema de sobreaviso.
Reportagem de Mário Bonela e Esther Radaeli

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