quinta-feira, 28 de julho de 2016

Paciente é acorrentado em hospital de custódia no ES, mostra vídeo


Natalia BourguignonDe A Gazeta
Pacientes com doenças mentais acorrentados em celas pequenas, escuras e sem condições de higiene. Essa foi a cena flagrada em um vídeo gravado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HTCP), em Cariacica, na Grande Vitória.
A violência foi denunciada pela Ordem dos Advogados do Brasil - Conselho Seccional Espírito Santo (OAB-ES) ao Ministério Público e Polícia Civil.
O processo foi finalizado e enviado nesta terça-feira (26) ao Ministério Público e também à Polícia Civil. A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) disse que o caso ainda não chegou à Delegacia de Crimes Prisionais
As imagens chocaram os integrantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB. "O vídeo é muito forte. O paciente pode ter cometido o crime que for, ele já está sendo responsabilizado. Nada justifica aquela cena", avaliou a presidente da Comissão, Verônica Bezerra. As imagens chegaram à OAB-ES no dia 14 de junho.
É no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico que estão as pessoas com transtornos mentais que cometeram algum crime. Essas pessoas, durante o julgamento, foram consideradas inimputáveis, ou seja, não têm entendimento do crime que cometeram. A elas não são aplicadas penas, mas sim medidas restritivas que são cumpridas no Hospital de Custódia, anteriormente conhecido como Manicômio Judiciário.
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A denúncia diz que a cela onde os pacientes aparecem no vídeo é chamada ‘enfermaria de apoio’. Este seria o local para onde internos em surto e com comportamento agressivo seriam levados até que se acalmassem. O vídeo da denúncia foi gravado por um dos funcionários do hospital, que não quis se identificar.
No dia 29 de junho, uma equipe formada por representantes da OAB-ES, da Comissão Estadual de Direitos Humanos, da Defensoria Pública e da Comissão de Prevenção e Enfrentamento à Tortura foi enviada à unidade para averiguar a denúncia.
Segundo Verônica, a cena mostrada no vídeo não foi presenciada no dia da vistoria, mas relatos de pacientes e de familiares confirmaram a prática.
A Sesp disse que o caso ainda não chegou à Delegacia de Crimes Prisionais. “É preciso que se apure os fatos. Só assim vamos conseguir individualizar a responsabilidade. O que aconteceu deve ser esclarecido. Nenhum caso de tortura pode ficar no esquecimento. Polícia Civil e Ministério Público devem apurar o caso como dever de ofício”, explicou Verônica Bezerra.
Comissão de Direitos Humanos
"O que a gente vê ali é tortura, tortura praticada por um órgão público e, ainda por cima, contra pessoas com transtornos mentais", afirma Gilmar Ferreira de Oliveira, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH).
Segundo ele, a cena mostra violação dos princípio da dignidade humana. "Uma cela escura, insalubre, com pessoas amarradas. Nós estamos falando de gente, eles deveriam ser protegidos pelo Estado", ressalta.
O presidente do CEDH ressaltou que, se a apuração dos órgãos competentes locais não for considerada suficiente, o caso pode ser levado à Organização do Estados Americanos e até à ONU.
Psicóloga
O vídeo também chegou à psicóloga e integrante do Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial Camila Mariani. "Eu fiquei horrorizada. Apesar de ouvir dizer que isso acontece, ver dá outra sensação. A gente que estuda a saúde mental acredita que isso já passou, que ninguém mais utiliza essas práticas", lamentou.
A psicóloga afirmou ainda que manter pacientes psiquiátricos em áreas isoladas e contidos de forma inadequada pode agravar o quadro do paciente e piorar as crises, dificultando a melhora e a reintegração dele à sociedade.
"Há maneiras de se conter um paciente em crise. Você pode juntar várias pessoas e segurá-lo com as mãos, você pode imobilizá-lo em uma maca, em um leito, de forma que não machuque. Mas não no chão, não deixar a pessoa em uma sala isolada", explicou.
Sejus e hospital
O Secretário de Estado de Direitos Humanos, Júlio Pompeu, afirmou que a corregedoria do hospital e a Sejus já estão apurando o fato.
"Precisamos saber se isso vinha se repetindo, quantas vezes e também quem são os responsáveis. Queremos saber quem agiu e quem se omitiu para punir de forma justa e saber aonde está a vulnerabilidade", falou.
Para ele, o Hospital de Custódia é um local de contenção mas, sobretudo, de terapia. "Não há tratamento terapêutico que justifique a cena que foi vista", relatou.
A Secretaria de Justiça, que é responsável pela administração do Hospital de Custódia, confirmou que iniciou a apuração dos fatos. "Se ficar comprovada a responsabilidade de algum servidor, o mesmo será punido com rigor", afirmou a secretaria, por meio de nota.
A Sejus informou ainda que condena toda e qualquer forma ou ato de tortura e maus tratos contra os internos do sistema prisional ou qualquer outro cidadão.
"Dando continuidade ao trabalho de reestruturação do sistema penitenciário do Espírito Santo, atualmente concentra seus esforços na humanização do sistema e também da ampliação dos seus programas de tratamento penal", disse.

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