domingo, 13 de setembro de 2015

'Maníaco da Ilha' está solto depois de apenas quatro anos na prisão


Comerciante de pedras preciosas manteve mulher presa por quase 10 anos.
Antúlio Gomes fugiu para Minas Gerais, onde manteve outra mulher presa.

Do G1 ES, com informações de A Gazeta *
Durante quase uma década ele torturou – com ferro quente, socos e pancadas – e manteve em cárcere privado a esposa e três filhos. No período fez o mesmo com mais cinco mulheres, sendo que os corpos de três delas nunca foram encontrados. Fugiu e praticou crimes semelhantes em outro Estado. Depois disso tudo, passou apenas quatro anos na prisão e está livre.

Este é o resumo da história do homem que ficou conhecido como “o maníaco da Ilha do Boi”, o comerciante de pedras preciosas Antúlio Gomes Pinto, que acabou condenado ao total de 106 anos de prisão, dos quais cumpriu apenas quatro, e que agora está solto. Teve pena perdoada pela Justiça.

Uma decisão que deixou revoltada a ex-modelo, mãe das crianças. “Que Justiça é essa? Uma pessoa que tortura, mata por prazer, esquarteja e desaparece com os corpos está solta. E nós, como ficamos?”, questiona.
Fuga
A jovem, que na época da fuga, em 2005, estava com 29 anos, conseguiu escapar por uma janela de um apartamento da Ilha do Boi, em Vitória, onde a família morava, com os três filhos. A partir dali revelou a macabra história vivida por ela na última década, e por outras cinco jovens – duas conseguiram escapar, uma delas foi morar no Japão.

Após as investigações da polícia, Antúlio acabou sendo acusado pelo Ministério Público e condenado, no Estado, a mais de 100 anos de prisão pelos crimes de tortura, cárcere privado, maus-tratos, estelionato, lesão corporal e rufianismo – que é viver de aliciamento de mulheres.

Em janeiro de 2010, conseguiu um habeas corpus que o permitiu ir para a prisão domiciliar, na casa de parentes, em Colatina. O argumento foi o de que um acidente vascular cerebral (AVC) o havia deixado em uma cadeira de rodas, com parte do corpo paralisado.

Mesmo nessa condição, fugiu e foi para Minas Gerais, onde acabou preso em flagrante, em 2013, acusado de manter outra mulher, de 30 anos, com quem teve um filho, à época com 1 ano e meio, em cárcere privado. No local também foram encontradas três adolescentes trabalhando para ele em condições inadequadas.

Em Minas foi condenado e a pena total, somada à capixaba, totalizou quase 106 anos. Em janeiro deste ano, os advogados solicitaram um indulto humanitário, concedido pela Justiça mineira em fevereiro deste ano.

“Sua situação é crítica, do pescoço para baixo já não consegue se mexer”, relatou Lécio Silva Machado, seu advogado no Espírito Santo, que relata não tê-lo visto pessoalmente, nessa condição. Ele não informa onde Antúlio reside atualmente, quem dele cuida e nem sequer quem contratou os serviços.

No Estado, o Ministério Público informou que há um mandado de prisão – da fuga para Minas Gerais, em 2012 – ainda em aberto. E ele não foi retirado do sistema porque ainda não foi possível ter acesso à Guia de Execução da soltura do réu para que a autenticidade do documento fosse confirmada.

Entenda o caso
1995

Apresentação
A ex-modelo, então com 19 anos, encontra Antúlio Gomes Pinto, de 41 anos, em um shopping em Vitória. De lá vai para o apartamento do comerciante e tem início a saga de espancamentos e torturas que se seguiriam na próxima década, quando teria com ele três filhos.

2005
Fuga
A ex-modelo consegue fugir, com os três filhos, de um apartamento onde a família vivia, na Ilha do Boi, em Vitória. É levada a uma delegacia, onde relata a história.

Mortes
Mulheres
No relato à polícia, a ex-modelo relata ainda ter presenciado a morte de outras três mulheres: Thaís Nascimento Cordeiro, 21, em 1996, no Rio de Janeiro; Fabiana Grijó, em 1997, em Belo Horizonte; e Dayse Libard Saldanha, em 1998, em Teófilo Otoni, ambos em Minas Gerais.

2006
Condenação
Antúlio foi condenado pelos crimes a mais de 100 anos. Mas, em 2010, consegue ir para prisão domiciliar por decisão do Tribunal de Justiça, com o argumento de que estava cadeirante após um AVC. De Colatina foge para Minas Gerais.

2013
Nova prisão
É preso após manter sua nova mulher e o filho em cárcere privado, em Minas Gerais. Em fevereiro deste ano a Justiça mineira concede a ele um indulto humanitário e perdoa a pena “pela estado de saúde grave”, diz o texto da decisão judicial.

“Ele é um psicopata e diz que está doente só para ser solto”
Em uma casa simples a ex-modelo fala ao A Gazeta com os três filhos .Os jovens, de 16, 18 e 19 anos, são especiais: dois são autistas e o mais velho nasceu sem o esôfago e teve lesão cerebral por falta de oxigenação.

Dois deles frequentam a escola, mas ainda guardam os traumas da infância: “Foram dez anos de sofrimento, sem contato com ninguém”, diz a mãe, que não aceita o perdão dado à pena de Antúlio Gomes Pinto. “Me sinto injustiçada. Ele é um psicopata e não acredito que esteja tão doente assim”.

Como soube do perdão dado à pena de Antúlio?
Por intermédio de meu advogado, há um mês. E é muito revoltante. Ele é um psicopata, que tem prazer em torturar, em matar, e agora vem dizer que está doente só para ser solto. Até hoje meus filhos e eu sofremos com as consequências de tudo o que vivemos.

Como se sente?
Injustiçada. As pessoas não têm noção do quanto ele é dissimulado. Não acredito que esteja tão doente assim. Fugiu cadeirante e fez o mesmo com outra família. Quantas outras vítimas ele terá que fazer para tomarem consciência de que ele não pode ficar solto?

Teme que ele volte para o Estado?
Com certeza. Em 2011, um ano após ir para a prisão domiciliar, ele contratou pistoleiros para nos matar. Na época eu estava no Provita (Proteção à Testemunha).

Quanto tempo ficou no Provita?
Foram cinco anos e muitas mudanças. Você acaba não criando vínculo com ninguém. Meus filhos mal se adaptavam a uma escola e já tinham que mudar. Há quase cinco anos estou fora do programa, mas eles já foram avisados dessa situação.

Como vivem hoje?
Meus filhos estão bem melhores. O mais velho passou por várias cirurgias e vamos levando...
Dez anos se passaram desde a sua fuga, em 2005. Conseguiu superar o trauma da tortura?
É algo que carregamos para o resto da vida. No início tinha medo de dormir. Tinha pesadelos de que estava sendo morta, degolada. Acordava segurando a cabeça. Sonho que estou sendo queimada, torturada, esfaqueada, que ele está matando pessoas na minha frente, como fez. Meus filhos, quando me veem abatida, logo chegam perto e falam: “Vai ficar tudo bem”. Mas há dias que me lembro das meninas – Thaís, Fabiana e Dayse –, do sofrimento delas e de suas mortes.

O que aconteceu com elas?
Sofreram muito mais do que eu. Passaram muita fome em meio a torturas e espancamentos. Ele e o capanga faziam “brincadeiras”. Ele jogava álcool e ateava fogo no corpo de uma delas, quando estava queimando, jogava embaixo do chuveiro para impedir a morte. Um dia matava e, junto com o capanga, separava as vísceras, esquartejava os corpos com motosserra, colocava em sacolas e espalhava em vários locais.

Como era a vida no cárcere?
Moramos em vários Estados, sempre fugindo. Ele me dava o resto de comida dele, umas duas colheres. Os meninos tomavam leite e para as outras garotas não sobrava nada. Quando foram mortas, eram só osso. A pele tinha sido queimada. Éramos obrigadas a participar de algumas torturas, como queimar o olho da Fabiana, que ficou cega. Três, das cinco com quem convivi, foram esquartejadas.

E os filhos?
Depois que matou as garotas e não podiam mais viver da prostituição, passou a enganar as pessoas com a doença dos filhos, que nunca tiveram acompanhamento médico, apesar dele falar o contrário. Era eu quem trocava, sem nenhuma experiência, as sondas do meu filho mais velho. E conseguiu muito dinheiro assim. Na Ilha do Boi vivíamos trancados em parte da casa, sem poder conversar com ninguém. Não sei como sobrevivemos. Apanhei com barra de ferro, madeira, socos. Fui queimada com cigarro e ferro.

Nunca foi procurada?
Minha família me procurou, colocaram cartazes na roça. Mas veio a informação de que uma modelo tinha sido morta no Rio de Janeiro e acharam que era eu. Minha família era muito pobre, não fui criada pelos meus pais...

Do que se arrepende?
(Lágrimas) Eu tinha uma vida muito pacata, na roça... Se pudesse ter uma segunda chance, ficaria na roça, com uma profissão simples, onde era feliz. Teria vivido com meu namorado, que conheci aos 16 anos e que foi o grande amor da minha vida. Desapareci e nunca terminamos...

“Indulto é ilegal”, diz advogado
Para o advogado da ex-modelo, Roberto Gotardo Moreira, o indulto não poderia ser concedido porque o reú já tinha a doença e, mesmo assim, reincidiu no crime. “É ilegal, e isso impede a concessão do benefício”, disse, acrescentando que a ex-modelo e as crianças correm risco se Antúlio vier para o Estado. “A mente dele continua criminosa”, destacou.
Corpos não encontrados
Thaís Nascimento Cordeiro
Morta em 1996, estava grávida de oito meses, foi esquartejada, segundo a ex-modelo, no Rio de Janeiro.

Fabiana Grijó
Morta em 1997, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Teve um olho queimado por fósforos e foi esquartejada, segundo a ex-modelo.

Dayse Libard Saldanha
Morta em 1998, o esquartejamento, segundo a ex-modelo, ocorreu em Teófilo Otoni. Vísceras foram enterradas no quintal.
* Com informações de Vilmara Fernandes, do jornal A Gazeta.

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