segunda-feira, 6 de abril de 2015

‘Tentaram matá-lo’, diz mãe de jovem que amputou perna após tiro na Maré


Vitor Santiago Borges também perdeu parte do pulmão esquerdo.
'Quero que eles paguem. Farei o que for preciso', afirma Irone Borges.

Henrique CoelhoDo G1 Rio
Quase dois meses após ver o filho entre a vida e a morte, Irone Borges, de 50 anos, quer respostas da União e do Exército, que ocupa o conjunto de favelas da Maré, na Zona Norte do Rio, desde abril de 2014 e começou a deixar a região na semana passada. As razões de sua revolta são a perna esquerda amputada e o tiro na coluna de seu filho, Vitor Santiago Borges, de 29 anos, ferido por pelo menos dois tiros de fuzil quando o carro que o levava para casa na Maré foi alvejado por homens da Força de Pacificação. O exército alega que o carro tentou atropelar homens da corporação após furar um bloqueio, mas Irone acusa:
VItor comemorou o aniversário da mãe no dia 1 de fevereiro (Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)VItor comemorou o aniversário da mãe em fevereiro
(Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)
“Eles tentaram matar o meu filho, digo isso pela posição dos tiros. Quero que eles [os militares] respondam pelo crime que cometeram. Minha família foi dilacerada, eles não podem deixar de pagar por isso”, diz ao G1.
O trajeto de Irone é o mesmo desde o dia 13 de fevereiro de 2015: de casa, na Vila do Pinheiro, no conjunto de favelas da Maré, até o terceiro andar da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Estadual Getúlio Vargas, onde Vitor está internado.
“Meu filho nunca foi bandido, nunca esteve envolvido com nada errado. Estava voltando do jogo do Flamengo e agora está sem a perna esquerda, vai ter que talvez andar em uma cadeira de rodas. E por que o Exército não está fazendo nada se é responsável por isso?”, questiona ela, que procura agora por advogados nas áreas cível e criminal para responsabilizar a União e buscar reparações financeiras.
'Lembro de pouca coisa
Além da perna amputada, Vitor teve a vértebra T-4 (toráxica) atingida por um tiro de fuzil, que ainda dilacerou uma parte do seu pulmão, retirada em uma cirurgia na última semana. Apesar de não sentir a perna direita, o quadro de Vítor é considerado bom pelos médicos. Ele conta que não lembra de muitos detalhes após ter passado por um bloqueio de revista de veículos na Vila do João, comunidade próxima à Vila do Pinheiro, onde mora.
Vitor teve a perna amputada e perdeu parte do pulmão (Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)Vitor teve perna amputada e perdeu parte do
pulmão (Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)
“O que eu sei é o que os outros me contaram. Não lembro dos tiros, nada”, relata. Consciente, ele contou que havia recebido a visita da filha de 2 anos, pouco antes de conversar com o G1. Falar da pequena Beatriz é uma das poucas razões para Vitor sorrir.
“Eu não a via desde que tudo tinha acontecido. Ela está linda, e eu e a mãe dela reatamos recentemente", relata.
O presente e o futuro, no entanto, têm suas dificuldades. A principal delas é a incerteza sobre a recuperação e a possibilidade de ter de utilizar uma cadeira de rodas, morando em uma comunidade e tendo que subir escadas para chegar à sua casa.
“Estou me acostumando a viver desse jeito. Sei que tenho pouco agora. Fico triste em lembrar o que aconteceu comigo”, diz ele, não parecendo lembrar o jovem sorridente que aparece nos álbuns de fotos de família com os amigos ou enquanto dançou no Corpo de Dança da Maré, entre os 15 e os 18 anos.
Depois, começou a trabalhar, e estava pensando em abrir um negócio próprio em segurança do trabalho, habilidade aprendida durante um curso no Senac. “Tenho sonhos, claro, mas a prioridade é a recuperação. Depois, vamos ver”, afirma ele, em tom sério.
Versão contestada
Após a prisão em flagrante delito de Adriano da Silva Bezerra, acusado de tentativa de homicídio por supostamente tentar jogar o carro contra os soldados da Força de Pacificação, 10 homens da corporação foram depor na 21ª DP, em Bonsucesso, próximo à Maré. A versão deles é de que o carro branco onde estavam Vitor e os amigos furaram um bloqueio na favela Salsa e Merengue e receberam ordens de parar, tendo sido alvejados com tiros de armamento não letal.
Carro onde estavam amigos na Maré foi atingido por tiros de fuzil (Foto: Luciano Borges/Arquivo Pessoal)Carro onde estavam amigos na Maré foi atingido por tiros de fuzil (Foto: Luciano Borges/Arquivo Pessoal)

Segundo os soldados, ao perceber que o carro estava indo em direção ao cabo Matheus Santos da Silva e ao Soldado Paulo Ricardo Ulguim da Silva Júnior, o cabo Diego Neitzke disparou quatro tiros de fuzil contra o carro. Segundo o depoimento, os soldados teriam sido atropelados caso Neitzke, que conduziu Adriano à delegacia, não tivesse atirado.
O sargento da Aeronáutica Pablo Inácio da Rocha Filho, de 27 anos, discorda da versão dos militares. Ele estava no carro junto com Adriano e os irmãos Jefferson Lima Da Silva e Allan da Silva, além de Vítor. Ele diz que há muitas incoerências no depoimento e cita alguns exemplos.
"Não houve tiros de bala de borracha. Nunca vi essa tropa usar esse tipo de armamento na favela. Se eles estavam fazendo patrulhamento, como eles alegam que tinha um tal bloqueio a ser furado? E se o carro foi em direção ao Ricardo, por que o mesmo não reagiu? E os dois outros tiveram tempo pra atirar antes que o carro atropelasse ele?”, questiona ele, que afirmou na época ao G1que os soldados só pararam de ameaçar os ocupantes do carro quando viram que Pablo também era militar. "Eles em seguida puseram o Vitor, o Adriano e o Jefferson dentro do blindado e os levaram até a UPA, enquanto eu pedia esclarecimentos. Nenhum dos militares estava identificado", afirma Pablo.

Procurada, a Força de Pacificação afirmou que repassaria as cobranças para o Comando Militar do Leste, que não respondeu às perguntas do G1.
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